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Relacionamento abusivo e suas marcas: Um guia prático para quem sofre o abuso e para quem pode apoiá-lo

Categoria: Guias, Opinião
Confira no final do texto onde procurar ajuda de instituições.
Foto: Diana Barros (Obra que abraça: Romero Britto)

Violências que se iniciam silenciosamente.
No princípio, um desejo de agradar o outro vai se tornando aos poucos a sua anulação.
Não é sobre ceder. É sobre deixar de existir.

O ser humano é afetivo. Ter alguém ao lado, pertencer a um meio o faz sentir-se mais seguro. Feliz talvez. Relacionamentos amorosos costumam preencher muito dessa necessidade de companheirismo e estimular o ato de compartilhar, cuidar e ser cuidado. Pode despertar pessoas para sua melhor forma, somar, de uma forma geral, elevando o amor próprio, estimulando ainda mais autocuidado, trocando conhecimentos e experiências de vida. Tudo isso porém, se ambas as pessoas tiverem níveis saudáveis de consciência, autoestima, empatia e generosidade. Caso contrário, as chances de qualquer relação se tornar tóxica e abusiva é enorme.


Pessoas curadas, curam e pessoas feridas, ferem. Essa frase tão conhecida se faz muito presente nos relacionamentos de uma forma geral. Ultimamente as pessoas têm se tornado mais informadas, o que tem levado a diversos movimentos que despertam sua consciência. Para identificar relações saudáveis ou não esse avanço é extremamente importante para proteger as vidas das pessoas. Então, caso você suspeite de toxicidade na sua relação ou não, peço que se informe sobre o tema por dois motivos: 1) responsabilidade social, afinal você poderá salvar outras pessoas e 2) porque muitas vezes podemos não estar conscientes de que vivemos um relacionamento abusivo e tóxico.

O Relacionamento Abusivo


Relações abusivas não são exclusividade de relacionamentos amorosos ou são exclusividade de um determinado gênero. São atitudes entre pessoas relacionadas, em que uma exerce o poder sobre a outra através de algum tipo de violência. Aliás, a violência aqui neste artigo não se trata apenas de agressões físicas. Estamos tratando aqui, a violência contra a identidade do ser humano acuado num relacionamento abusivo, que pode ou não conter agressões físicas e pode ou não se desenrolar para uma agressão física depois de algum tempo.


Pode ocorrer violência do tipo verbal, emocional, psicológica, física, sexual, financeira e tecnológica. As vítimas podem ser, inclusive, idosos. O abusado constantemente se vê em conflitos que geram diversas dúvidas, confusão mental, insegurança entre outros sentimentos. E são justamente a dúvida e a insegurança da vítima que fortalecem o agressor.


A oscilação na conduta do agressor, algumas vezes violenta e agressiva, outras amável e vulnerável, coincidem com a fragilidade da vítima por um histórico de vida familiar ou social, ou mesmo uma situação de venerabilidade momentânea. Todos esses fatores levam a vítima a sentir-se culpada a maior parte do tempo pelas agressões sofridas, mas também necessitada daquele pouco que o agressor a oferece.


Sabe porque é ainda mais importante você estar alerta sobre o assunto? A criança abusada pelos pais, verbalmente que seja, será o amiguinho que permitirá abuso do colega, o adulto que permitirá abuso do parceiro ou do chefe, a tia que permitirá abuso dos sobrinhos, a avó que permitirá abuso dos netos e assim por diante. Ou mesmo, o contrário, aquela criança poderá se tornar o agressor, ou mesmo atuar em papéis diferentes ao longo da vida e de suas relações, hora agressor, hora vítima. Para evitar isso, autoconhecimento e consciência psicológica e emocional são necessárias, porém, nem todos investem tempo e esforço nisso.


Vamos focar em relacionamento abusivo, mas abra sua mente para todas essas possibilidades que não só os amorosos. Outra coisa, assim como já foi dito isso não é exclusivo de homem para mulher, mas iremos em alguns momentos utilizar artigos femininos e masculinos para simplificar o texto.

Como identificar o relacionamento abusivo e por que isso pode ser tão difícil


Identificar que se está num relacionamento abusivo não é fácil, por isso, é muito comum a pessoa sentir-se extremamente envergonhada quando se dá conta do que estava vivendo. Isso ocorre, justamente pelo agressor ter oscilações drásticas de humor navegando entre extremos. Então, podem se passar dias e meses em profundo amor, carinho e “cuidado”. Depois, através de explosões instantâneas e descontroladas gerar medo na vítima. Esta, fica acuada, mas duvidando de que alguém que a ama tanto possa lhe fazer mal. Assim, o agressor consegue transferir a culpa da sua explosão para a vítima que passa a acreditar em situações que talvez nem tenham realmente acontecido.


O percurso entre extremos é atemporal, podendo ocorrer num mesmo dia, ou ao longo de mais tempo dependendo de cada situação. O fato é que, instabilidades passam a fazer parte da relação que pode ser assim desde o começo ou se tornar assim algum tempo depois. Também por este motivo, é comum a vítima se apegar ao que a pessoa foi e pensar que pode voltar a ser. Por isso, passa a se sujeitar e ceder ao risco mesmo suspeitando de que algo esteja errado. A postura então passa a ser de alguém que sempre cede ao desejo do outro.


Os abusos podem se iniciar também, logo depois do agressor conseguir um certo nível de dependência por parte da vítima. Por exemplo: Você se mudou para a casa ou cidade dele ou vice-versa? Com isso, podem estar trabalhando juntos ou estar temporariamente sem emprego? Abriram contas bancárias juntos? Precisa do apoio dele em algum aspecto da sua vida? Ele tem o domínio de objetos ou de um animal seu? Você engravidou?
Essa pessoa pode ter ganhado de alguma forma um poder sobre você, o qual você pode estar encarando como um apoio ou ajuda, numa situação delicada. Poderia ser mesmo apoio apenas, se logo após não se iniciarem atitudes de dominação como: Sugeriu que suas amigas não prestam? Que exclua contatos da sua agenda e rompa relações de trabalho ou amizade? Fez um tour pelas suas redes sociais e se incomodou com diversas postagens? Classificou seus gostos musicais e de vestimenta como gosto de mimada ou de vagabunda e identificou claramente que não condiz com os dele? Não comemorou e talvez nem participou das suas conquistas? Evita sair entre amigos de ambos os lados? E por aí vai…


Geralmente não se trata de uma pessoa confiável, então é comum que os discursos de que você está errada ou agindo errado sejam pautados de argumentos de outras pessoas ou mesmo profissionais, (pessoas que provavelmente você respeita), cheios de distorções e adições de conceitos dele para reafirmar que você precisa de uma grande mudança na personalidade ou na forma de atuar em determinada situação, a que ele já tenha se referido como incômoda.


Outro motivo pelo qual é difícil de se identificar a relação abusiva é que o agressor demonstra um certo arrependimento quando confrontado, jura mudar de comportamento, pode lhe fazer promessas de amor eterno, planejar uma mudança até de cidade, bairro, vida, hábitos e lhe propor um filho, por exemplo. A pessoa volta a se sentir em lua de mel por um tempo, até a próxima explosão, o intervalo entre essas explosões podem ir até mesmo diminuindo e você nem se dá conta de que a cada vez passa menos tempo entre as crises.


Observe que, você precisa sempre estar aberto a mudar e ouvir conselhos que somam na sua vida. Porém, tenha por favor a consciência de identificar quando um conselho pode ser encaixado nas suas escolhas a fim de tornar seu fardo mais leve. E também, quando os conselhos e talvez até ordens estão tornando seu fardo mais pesado, te entristecendo e a fazendo se tornar cada dia mais dependente de um outro alguém e vulnerável a ele.


Caso você esteja vivendo isso é comum passar a ter medo do que dizer e como dizer, pensar bem antes de postar até um status de whatsapp. Se ver apagando registros do seu passado com medo de que ele tenha conhecimento de algo que você viveu, a fim de evitar que “ele se irrite”. Pode ser ainda que note que não deve demonstrar suas emoções, não pode extravasar seus sentimentos nem alegres, nem tristes, não pode sentir falta dos pais, do filho, dos amigos, do trabalho e assim por diante, isso porque ele o fará acreditar que o amor dele é tão completo tão intenso que você não precisa de mais.


Guardando tantas emoções, tantas dúvidas, tantas incertezas é natural começar a desenvolver um quadro depressivo, ou se tornar alguém muito duro e fechado aos olhos dos outros. Mudanças no seu comportamento podem ser identificados por seus amigos, mas provavelmente serão ignorados por você mesma. Muitas pessoas próximas a você poderão nem mesmo saber o que está acontecendo porque, no fundo, sua consciência te sinaliza que há algo de errado e, por medo do julgamento, você nem deixa as pessoas saberem o que se passa e vai permitindo os abusos.
Com o tempo, seus sonhos e planos não chegam nem ao segundo estágio, simplesmente deixam de existir e são substituídos por “sonhos em comum”, que na verdade são sonhos de outra pessoa que a fez acreditar que poderiam ser seus sonhos.

Como sair e se proteger?

Nesta fase é que está a maior necessidade de responsabilidade social, ou para as mulheres a necessidade de sororidade! É responsabilidade de qualquer um ajudar o próximo a viver bem e melhor. Pequenas mudanças ao nosso redor tornam todo o planeta mais agradável para se viver, não tem como se fechar em dar apoio a alguém que passa por abusos e achar que isso não te afeta e não te envolve de forma alguma.
Porém, se não souber ajudar ou não for sincero de coração, melhor não se envolver mesmo.


Precisamos abolir a crença de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Essa frase é patriarcal de um período em que a sociedade era ainda mais machista e acreditava que as mulheres deviam total submissão a seus maridos. O quadro piora na atualidade em que temos abusos em relações homoafetivas. Imagine a crença dessas pessoas girando em torno de algo como “arrumou sarna para se coçar”. Péssimo conceito, ultrapassado, isento de amor e perigoso! Então, metemos a colher sim e o dedo no celular, inclusive, para chamar a polícia se necessário.
Agora vamos ver como fazer isso de forma adulta e inteligente. Primeiro vamos falar sobre como apoiar uma pessoa em situação de abuso. Neste caso, precisamos tomar muito cuidado, pois a pessoa pode não ter identificado isso ainda e pode, inclusive, ter tanta adoração pelo agressor que não esteja aberta a essa conversa.


Procure meios para levá-la a raciocinar, faça perguntas que a levem a refletir e que não a obriguem a responder. Esteja consciente que esta pessoa pode não estar preparada para sair da relação ou mesmo para despertar e é aí que está sua responsabilidade social em plantar na mente dela questões que poderão germinar e a fazer despertar no momento certo para ela. Neste momento, com certeza ela se lembrará que poderá contar com você. Por isso, se desejar ajudar, só faça isso se for de coração e esteja pronto para apoiá-la mesmo.


A maioria das pessoas em abuso não conseguem sair da situação sozinhas, precisam de apoio para despertar, para compartilhar seus sentimentos e talvez nem tenham coragem de contar tudo que aconteceu. Talvez ela nem saiba por quanto tempo esteve sujeita aos abusos, mas provavelmente o suficiente para sentir muito medo, vergonha e estar tão fragilizada a ponto de achar que aquele é o fim para ela. Não só o fim da relação, mas do poder de ver a possibilidade de se refazer de várias outras formas. Essa pessoa poderá estar marcada fisicamente e com certeza haverá muitas marcas ainda mais profundas. Ela pode até mesmo precisar de abrigo. Se você não puder oferecer abrigo, a delegacia da mulher poderá fazê-lo (em regiões onde não há Delegacia da Mulher, procure orientação da Polícia Civil). Mais formas de buscar ajuda no final do texto.


Se a pessoa confiou em você, não coloque ainda mais culpa sobre ela, não a faça se sentir cega ou inocente, não exija um término brusco e não a estimule a tomar decisões precipitadas a não ser que esteja correndo risco de vida, isso só agrava a vulnerabilidade. Se ela não se sentir acolhida, poderá inclusive voltar para o agressor e perder a confiança em você e nos outros. Isso dará ao agressor ainda mais força contra a vítima.
Por mais denso que seja o cenário mental, nem todas as situações são de risco declarado. Muitas vezes é um risco velado, silencioso. Se você é quem sofre o abuso, não o menospreze comparando seu caso a outros mais extremos. Mantenha a mente aberta. Então, como você pode sair e se proteger? Procure ajuda. Se não tiver em quem confiar, leia e assista vídeos sobre o tema, procure influenciadores confiáveis… Vai lhe servir de ajuda ver que mulheres fortes e independentes também sofreram abusos, também demoraram a agir e também saíram e recomeçaram suas vidas.
Lembre-se de todos os seus potenciais, recorde momentos de força do passado e invoque a sua capacidade de se reinventar. Acima de tudo, não deixe seu agressor perceber sua mudança. Isso poderá causar um aumento na força que ele irá colocar para te impedir de seguir em frente.
Quando já estiver se sentindo mais confiante, confie o assunto a alguém e peça apoio dentro do possível. Já prepare sua saída levando o essencial para outro lugar sem que a pessoa desconfie. Em hipótese alguma termine com essa pessoa sozinha e tente evitar ao máximo o término pessoal. Sim!!! Não tem nada de errado em terminar por telefone ou mensagem, não tem nada de imaturo nisso! Errado é você se pôr em risco sem ter o controle do que poderá acontecer.


Termine por telefone, por mensagem ou por e-mail. Em seguida, corte o contato o quanto antes. Abra mão de tudo aquilo que puder deixar para trás e evite ao máximo qualquer contato por muito tempo. Coloque sua vida e sua estrutura emocional acima de qualquer outra perda material.
Prepare-se para a retórica inicial, ele pode fazê-la se sentir muito culpada, pode jurar que vai mudar que vai fazer coisas que são importantes para você, ou pode agir de forma ainda mais manipuladora e agressiva, fazer papel de vítima de que nunca foi amado etc. Por isso, é importante se blindar antes da conversa e se preparar para esses dramas.


Por fim, se permita sofrer. Como diz a música “aceite a sua humanidade”, não se violente por ter vivido o que viveu. Não se culpe, mas assuma a sua responsabilidade, sem assumir a parte da responsabilidade do outro. Nem sempre o agressor é totalmente consciente de seus abusos. Muitas vezes é uma pessoa que precisa de ajuda e orientação profissional, mas essa responsabilidade não é sua, de forma alguma. Não tente assumi-la de jeito nenhum.

Como recomeçar?


As marcas que essa relação abusiva pode deixar são quase infinitas, você pode estar carregando um peso muito grande e precisa de muito apoio para recuperar sua autoestima e valorização pessoal.


Não dá para dizer o tempo, pois cada pessoa tem seu despertar, mas o ideal seria focar bastante em você para evitar outros tipos de dependências emocionais, por consequência dessa.


Continue se informando, reforce a certeza da sua decisão sempre que possível. Dê sua colaboração ao mundo se puder, apoiando outras pessoas.
Foque em projetos pessoais, recupere seus sonhos, seus gostos e os mantenha sempre em mente. Pode ser que você nem saiba mais do que gosta, então se ocupe com isso, descubra sabores, cores e sensações que realmente agradam a você e não que eram apenas escolhas feitas para você.
Perca o tempo necessário se reencontrando e acredite que o amor saudável pode e irá aparecer na sua vida no momento em que estiver curada e sua essência restabelecida. Você irá atrair pessoas que ressoam isso, não precisa ter medo quando acontecer. Vá dando espaço conforme a pessoa merecer, mantendo o seu espaço na sua própria vida. Acredite na experiência que ganhou e nas coisas que aprendeu e esteja sempre atenta.

Acima de tudo não perca a fé em si mesma e no seu futuro e todas as possibilidades que existem nele. Nunca é tarde demais e não é cansativo recomeçar. Na verdade, recomeçar nos faz lembrar e sentir que estamos vivos, você pode ter se esquecido disso mas será bom escrever uma nova história.

Diana Barros – Escritora
Instagram: @dianabarros.escritora

Facebook: @dianabarros.escritora
Autora do livro: À Vista de vários Pontos


Onde posso encontrar ajuda em situação de risco?

Polícia Militar – Ligue 190 para emergências

A Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência – Ligue 180 para denúncias de violência recorrente

Baixe o App Magalu no seu celular. “Ei, moça! Finja que vai fazer compra lá no APP Magalu. Lá tem um botão para denunciar a violência contra a mulher”.

Desenhe um X na palma da mão com batom e mostre em uma farmácia. Uma campanha promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) para estimular vítimas de violência doméstica a denunciarem de forma segura.

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